quarta-feira, 28 de março de 2018

VOCÊ TAMBÉM JÁ FOI ALCANÇADO (A)

Adoração da Cruz. Palavra de Deus: Isaías 52,13 – 53,12; Hebreus 4,14-16; 5,7-9; João 18,1 – 19,42.

            A ciência e a tecnologia nos prometem um mundo e um futuro sem dor, um mundo e um futuro onde não haverá mais acidentes (tudo será controlado por computadores, inclusive os carros), onde as doenças não serão apenas curadas, mas mesmo impedidas de se manifestarem, graças à manipulação genética. Sonha-se com um mundo e um futuro onde – quem sabe – a própria morte será eliminada! No entanto, o mesmo ser humano que busca formas de não sofrer e de não morrer, produz sofrimento e morte; o mesmo ser humano que sente repulsa da cruz produz situações de cruz para si mesmo e para o seu semelhante.
            A liturgia desta tarde de sexta-feira santa nos coloca diante da Cruz. Ela não é um símbolo inofensivo. Na verdade, a Cruz sempre provoca uma reviravolta em nossa maneira de compreender Deus e a própria vida. Ela nos lembra que os caminhos que Deus usa para nos salvar são muito diferentes do que aqueles que imaginamos. Além disso, quando pensamos que o sentido da nossa vida está em ter sempre boa saúde, superar todas as dificuldades, obter todas as respostas, resolver todos os problemas e sermos bem sucedidos em tudo o que fazemos, a Cruz fere o nosso orgulho e abate a nossa autossuficiência, nos lembrando de que nenhum ser humano se salva por sua própria força.
Mas há um lado positivo em tudo isso. Ao derrubar nosso orgulho e nossa autossuficiência no chão, ao desmontar os nossos esquemas, a Cruz nos faz enxergar que até mesmo quando fracassamos aos olhos dos homens, até mesmo quando descemos no mais fundo do poço, justamente ali pode ser dar a nossa redenção, a nossa cura, a nossa salvação. Como escreveu o Pe. Amedeu Cencini, “desde que Cristo morreu na cruz, toda situação, inclusive a mais frágil e trágica ou a aparentemente falimentar e maldita, pode tornar-se lugar e causa de salvação”. Desde que Cristo sofreu e morreu na cruz, toda dor que você sofre e toda morte que você enfrenta podem se tornar experiências de redenção, de cura e de salvação para você e para a humanidade.
Nesta tarde, nós não olhamos apenas para a Cruz, mas, sobretudo, para o Crucificado: “Tão desfigurado ele estava que não parecia ser um homem ou ter aspecto humano. Não tinha beleza nem atrativo para o olharmos, não tinha aparência que nos agradasse” (Is 53,2). Porque somos influenciados pela cultura da aparência, nós desviamos o olhar de tudo o que é feio, de tudo o que nos lembra fraqueza, imperfeição, dor, envelhecimento e morte. Mas o Crucificado nos ensina que também fazem parte da vida o deficiente, o fraco, o imperfeito, aquilo que consideramos feio, desprezível e sem importância. Se nós queremos ser curados, precisamos aprender a ouvir as nossas feridas, e não fazer de conta que elas não existem. Se nós queremos um mundo melhor, precisamos ouvir o grito dos crucificados, e não ignorá-los.
  O Crucificado “era desprezado como o último dos mortais, homem coberto de dores, cheio de sofrimentos... A verdade é que ele tomava sobre si nossas enfermidades e sofria, ele mesmo, nossas dores” (Is 53,3.4). A verdade é que nós achamos que o sofrimento do outro é problema dele e não nosso. A verdade é que nós sempre achamos que as coisas ruins podem acontecer com os outros, nunca conosco. A verdade é que nós esperamos que Deus “funcione” para nós como blindagem diante de todo tipo sofrimento. A verdade é que nós, muito diferente de Jesus, procuramos afastar de todas as maneiras o cálice da dor, esquecendo-nos de que este cálice pode conter o remédio amargo para nos curar, a correção necessária para nos resgatar e nos devolver ao caminho da justiça, da santidade e da salvação. A verdade é que muitos de nós estamos criando as futuras gerações num mundo de mentiras, onde não há dor, nem luta, nem sacrifício, nem frustração, nem morte, um mundo onde tudo é fácil: basta fazer manha, fazer chantagem, fazer corpo mole, e as dificuldades desaparecerão.  
            Ao profetizar a sua morte de cruz, Jesus havia dito: “Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32). O que nos atrai para o Crucificado é a sua atitude de recolher em si toda dor, todo sofrimento, toda morte, e entregar tudo ao Pai, o único que pode transformar a dor em alegria, a morte em vida. O que nos atrai para o Crucificado é reconhecê-Lo como o Divino Pontífice, a ponte que foi estendida entre o céu e a terra, para reconciliar o homem com Deus. Havia um abismo que separava a humanidade de Deus (cf. Is 59,1-2), mas sobre este abismo foi deitada a Cruz do Crucificado. Por isso, o autor da carta aos Hebreus nos convida: “Permaneçamos firmes na fé que professamos. Com efeito, temos um sumo sacerdote capaz de se compadecer de nossas fraquezas... Aproximemo-nos então, com toda a confiança, do trono da graça,  para conseguirmos misericórdia e alcançarmos a graça de um auxílio no momento oportuno” (Hb 4,14-16).
            A Cruz tornou-se para nós o trono da graça, porque Aquele que nela esteve crucificado agora está vivo e ressuscitado diante do Pai, intercedendo por nós dia e noite (cf. Hb 7,24-25). Ainda que, como Ele, nós às vezes nos sintamos como um vaso despedaçado pelo sofrimento, podemos dirigir confiantemente nossa oração ao Pai, como Jesus mesmo rezou: “A vós, porém, ó meu Senhor, eu me confio, e afirmo que só vós sois o meu Deus! Eu entrego em vossas mãos o meu destino; libertai-me do inimigo e do opressor! Mostrai serena a vossa face ao vosso servo e salvai-me pela vossa compaixão!” (Sl 31,15-17).
                Ao finalizar esta reflexão, podemos nos perguntar: qual é o alcance da Cruz de Cristo? Por quem Ele morreu? Quem a sua morte redimiu? Pela graça de Deus, ele sofreu a morte em favor de todos” (Hb 2,9). Todo ser humano está salvo pela Cruz de Cristo porque todo ser humano foi “alcançado” pela redenção realizada na Cruz. Foi isso que o apóstolo Paulo compreendeu, ao declarar: “eu também já fui alcançado por Cristo Jesus” (Fl 3,12). Uma vez que nós todos fomos alcançados pela força redentora da Cruz de nosso Senhor Jesus, que possamos viver com a mesma disposição de fé e a mesma consciência que o apóstolo Paulo viveu: “Tudo considero como algo sem valor em comparação ao conhecimento de Jesus Cristo. Quero ganhar a Cristo e ser achado nele. Quero conhecê-lo, conhecer o poder da sua ressurreição e a participação nos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte, para ver se alcanço a ressurreição de entre os mortos” (Fl 3,8-11).

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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